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Quando o assunto é casamento, falar em pacto “pré-nupcial” e separação total de bens, em um primeiro momento, até parece um prenúncio ao divórcio. Para muitas pessoas, a primeira reação ao assunto não é boa. Há um certo choque, seguido de uma reflexão sobre confiança, interesses e perspectivas futuras para o relacionamento.

Eu entendo a surpresa e a estranheza do primeiro contato. Quando comecei a trabalhar com planejamento sucessório de famílias também não era intuitivo considerar a separação total de bens. Parecia o oposto ao conceito tradicional de casamento e de comunhão de vida que eu conhecia.

Depois de alguns anos acompanhando diversas famílias, vejo o tema de outra forma. Não existe receita de bolo, cada relacionamento tem suas peculiaridades e o regime de bens que melhor atende ao casal. Minha constatação prática é que a decisão de assinar um pacto “pré-nupcial” e optar pela separação de bens envolve diversos fatores, como o ponto de partida do casal, a atividade profissional exercida, as contribuições relacionadas ao lar e à criação dos filhos e a organização financeira da família.

O ponto de partida

Quando há patrimônio familiar envolvido é comum existir a preocupação de proteger esses bens de terceiros em caso de divórcio. São empresas familiares, fazendas, negócios imobiliários, entre outros exemplos, que são passados por gerações e que costumam prover o sustento de toda a família. Significa que o ponto de partida de quem vai casar não é zero. Antes do casamento uma das partes (ou ambas) já tem patrimônio, recebido da família, ou terá, no futuro, por meio de herança ou de doação em vida.

Nesse cenário, a separação total de bens é uma das formas de garantir que o patrimônio familiar e seus rendimentos, principalmente, permaneçam entre os membros da família consanguínea. De acordo com a lei, se as partes se divorciarem, não há bens a dividir, o que garante que o legado construído pela família não seja transferido a terceiros.

Aqui a proteção e segregação do patrimônio têm efeitos somente em vida. Em caso de morte a regra é outra: o viúvo que era casado em regime de separação total de bens é herdeiro “obrigatório” e tem direito à sua parte.

Atividade profissional

Em outras situações, a profissão ou o momento de carreira do casal influenciam na escolha do regime de bens. Executivos(as) de grandes empresas e diretores(as) de banco, por exemplo, possuem grandes responsabilidades em nome próprio. Se não há pacto “pré-nupcial”, o casamento segue a regra geral da comunhão parcial de bens – e de dívidas também.

Assim, se um executivo é responsabilizado por um erro profissional, por exemplo, os bens que ele possui em nome próprio estarão sujeitos à execução. Se for casado em comunhão parcial, os bens do cônjuge, adquiridos após o casamento, também poderão ser executados. Não há segregação.

É comum ouvir relatos de casais em que um dos cônjuges é empresário(a) e o outro, que não trabalha na empresa e exerce outra atividade, teve sua conta bloqueada. Nesses casos de profissões ou atividades de maior risco, o regime de separação de bens protege o casal, pois as dívidas não se misturam.

Quando não há preocupação com riscos ou dívidas, existem situações em que a comunhão parcial de bens pode atender melhor o casal. Pode surgir uma oportunidade profissional para um dos cônjuges que implique a renúncia da carreira de outro. Exemplo prático: profissionais altamente especializados, que são recrutados para trabalhar em outros países, com excelentes remunerações. Muitas vezes, o companheiro de quem recebeu a proposta precisa “abrir mão” de seu trabalho, ou de outras oportunidades, para acompanhar o cônjuge. É sempre uma análise conjunta, mas que demonstra que o sucesso profissional do casal está totalmente relacionado e que há um patrimônio comum, que as partes não querem segregar.

Dinâmica e Finanças do casal

Para além do papel e da lei, os arranjos feitos pelos casais é que definem, na prática, a dinâmica do patrimônio da família. Na minha opinião, são a parte mais importante. Há casais em que ambos trabalham, possuem rendimentos, mas em volumes diferentes. Costumam combinar em que medida cada um contribui para as receitas e despesas da família. Funciona bem.

Há outros em que uma das partes se dedica integralmente à casa e aos filhos, não tendo um trabalho formal. Muitas vezes até interrompendo uma carreira para cuidar do trabalho informal, dentro de casa. São contribuições diferentes para a construção de uma vida conjunta e do patrimônio familiar. Ambas envolvem tempo, dedicação e apoio mútuo.

Falando especificamente de casais que optaram pela separação de bens, quando há essa dinâmica de contribuições distintas (financeira e não financeira), a preocupação com o cenário de divórcio e com a “não divisão” de bens é legítima.

Nesses casos, a questão patrimonial pode ser facilmente contornada com doações periódicas de um cônjuge para o outro, de forma a balancear o que é a parcela de cada um no patrimônio que o casal construiu junto. Quando há diálogo e confiança entre as partes, é uma ótima alternativa.

Já acompanhei casais que realizavam doações anuais para garantir uma divisão patrimonial considerada justa e outros que optam por períodos mais longos de tempo, a cada 05 ou 10 anos. São pessoas casadas em separação total de bens, mas que vivem a “comunhão parcial” na prática, por ser um arranjo que deixa ambos confortáveis.

Exemplos como esses me levam à conclusão de que pacto pré-nupcial não significa preparação para o divórcio, nem é o oposto à vida conjunta e à construção de uma família. Também não é uma receita única que se aplica para todos os casos. É uma opção que demanda diálogo do casal e precisa ser feita de forma consciente considerando as características do relacionamento, o ponto de partida e os planos futuros. Me arrisco a dizer que o assunto de patrimônio e finanças do casal é tão importante que essa reflexão anterior ao casamento pode contribuir, inclusive, para uma relação mais longeva e saudável.

Victória Siqueira é Head de Wealth Planning na Portofino MFO, formada em Direito pela FGV, com extensão em General Business with Concentration in International Trade and Commerce pela UCLA.

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