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Em nosso último relatório macro, publicado no início deste mês, dividimos com os clientes a nossa percepção de que os riscos de cauda gerados pela agenda econômica do novo governo haviam sido reduzidos. Nesta quarta-feira (31), na apresentação anual do Fundo Verde, seu economista-chefe, Daniel Leichsenring, corroborou com a nossa visão. Mas, de maneira simples, o que é realmente um risco de cauda?

O risco de cauda, do ponto de vista estatístico, é a possibilidade de ocorrência de eventos extremos e improváveis, que estão localizados na “cauda” de uma distribuição de probabilidades. Esses eventos podem ter um impacto significativo e desproporcional em relação aos demais eventos mais comuns. Em outras palavras, o risco de cauda refere-se à possibilidade de ocorrerem eventos raros, mas que podem ter consequências graves e imprevisíveis. Por exemplo, um terremoto de grande magnitude é um evento de cauda, pois é muito improvável que ocorra, mas, caso aconteça, pode causar impactos severos e altos prejuízos. Monitorar potenciais riscos de cauda é importante para que se possa planejar e gerenciar possíveis consequências destes eventos extremos e minimizar seus impactos.

A eventualidade de reversões significativas de reformas estruturantes e ganhos institucionais aprovados pelo Congresso Nacional a partir do governo Temer e a possibilidade de abandonarmos o chamado Teto de Gastos e com isso desviarmos da rota da responsabilidade fiscal estavam sendo apreçadas nos ativos domésticos como evidente risco de cauda. Passados 5 meses desde o início deste novo governo, temos evidências suficientes para afirmar que, apesar de muita retórica e algumas tentativas, pouco ou quase nada foi conseguido na direção de se promover grandes alterações daquilo que estamos chamando de conquistas institucionais.

Antes mesmo da posse, o governo recém-eleito tentou emplacar uma licença para gastar mais de R$ 200 bilhões por pelo menos toda a duração deste mandato, acima, portanto, do permitido pela Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos promulgada no final de 2016. Acertadamente, o Legislativo conteve esse ímpeto menos responsável do ponto de vista fiscal e aprovou a chamada PEC da Transição, condicionando o excedente a R$ 145 bilhões limitados ao exercício deste ano. Retóricas contra-reformistas e alguns balões de ensaios tiveram quase nenhum eco entre os parlamentares. O ministro Carlos Lupi, por exemplo, chegou a anunciar uma comissão para rever as aposentadorias e, por consequência, a Reforma da Previdência. Ideia que, de tão estapafúrdia, foi desautorizada pelo próprio governo. Este mesmo ministro não conseguiu angariar quórum para uma possível revisão da Reforma Trabalhista.

Outra importante guerra de narrativas, termo muito em voga no vocabulário do próprio presidente, tem sido as críticas ao Banco Central e a sua independência. A despeito das inúmeras investidas contra inclusive à pessoa do “cidadão” Roberto Campos Neto, esta independência jamais foi colocada em discussão formal. De maneira quase despercebida, a discussão a respeito da alteração da meta de inflação, sob a responsabilidade da tríade do próprio Campos Neto, Simone Tebet e Fernando Haddad, tem sido realizada de forma discreta e técnica como deve ser. Poderíamos estender o rol de exemplos de como nosso Congresso tem funcionado como goleiro evitando possíveis gols contra o melhor direcionamento da política econômica nacional. A Câmara dos Deputados, por exemplo, impôs importante derrota ao Governo derrubando trechos do decreto presidencial que, caso mantidos, desvirtuariam por completo as conquistas do marco regulatório do setor de saneamento aprovado durante o governo Jair Bolsonaro.

Por último, e talvez mais importante, a Câmara dos Deputados foi hábil em aprimorar o projeto do novo arcabouço fiscal proposto pela Fazenda, no qual, ao fim e ao cabo, conseguiu-se limitar o crescimento dos gastos públicos abaixo da média dos últimos 25 anos, vinculou objetivamente o aumento dos gastos à elevação da arrecadação, impôs algum tipo de enforcement e obrigação de prestação de contas no caso do não cumprimento da meta mantendo implícito o direcionamento anterior dado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Da sabedoria popular, “o ótimo é inimigo do bom” e, por fim, o Congresso conseguiu aprovar antecipadamente um novo arcabouço minimamente razoável para se garantir um crescimento administrável da dívida pública com a geração de superávit primário.

Constatada essa rede de proteção institucional, nossos mercados passaram a retirar dos preços dos ativos domésticos o prêmio da incerteza ou do risco de cauda. Associadas a observações mais benignas da inflação, a curva de juros futuros ajustou-se em quase 2% projetando a queda da SELIC a partir de setembro. O Ibovespa desde março subiu mais de 9%, enquanto as empresas de menor capitalização (Small Caps) performaram ainda melhor – mais de 16% no mesmo período. O real, em linha com nossos pares na América latina, encontra-se entre as moedas que mais se valorizaram frente ao dólar americano em 2023.

Estamos bem distantes de podermos aspirar um futuro espaço entre as economias mais desenvolvidas. Entretanto, a nossa percepção do presente desenho institucional brasileiro nos faz acreditar que o risco de “argentinização” do Brasil é também mínimo, se não inexistente. A combinação da paulatina desinflação mundial, consequente interrupção do ciclo de alta de juros com iminente afrouxamento monetário simultâneo entre diversos países, associados à aparente blindagem imposta ao governo contra aventuras ou reprodução de modelos que já se provaram fracassados no passado, nos deixa menos pessimistas, na margem. Quanto o copo do cenário para investimentos no Brasil, hoje, passamos a observá-lo meio cheio e por isso começamos a gradualmente aumentar o risco médio das nossas carteiras.

Em tempo: tivemos há pouco a divulgação do PIB do primeiro trimestre que cresceu 4% sobre o mesmo período do ano passado, ante estimativa de expansão de 3,1% e após alta de 1,9% no trimestre anterior, superando as expectativas da maioria dos analistas do mercado. Maior crescimento, mais arrecadação, maior probabilidade de geração de superávit. A distribuição de probabilidade é simétrica para os dois lados. Seria otimismo demais considerar um possível risco de cauda positivo? A conferir!

Eduardo Castro é Chief Investment Officer na Portofino Multi Family Office e escreve mensalmente esta Carta de Gestão, “Causa e Efeito”, que traz a sua visão estratégica sobre os principais fatos dos mercados e seus impactos.

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Importante: Este é um conteúdo Portofino Multi Family Office, não partidário, sem viés ou intenções políticas.

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